"Aqui chegamos, enfim, a um ponto sem regresso:
Ao começo do fim de um longo e lento processo,
Que se apressa a cada ano, como um progresso insano
Que marcha pro retrocesso."
(Lenine)
Hoje, numa palestra do Intercom Sudeste, congresso de estudantes de
comunicação que ocorre a níveis regional e nacional, houve um debate com o
diretor de novas mídias da Globo RJ, Emanuel Castro, contrastando uma imagem dos Flinstones com uma dos Jetsons (ambos desenhos muito conhecidos de Hanna Barbera) e perguntando onde estava o erro da interpretação das duas imagens
(exatamente as imagens mostradas abaixo):
Ora: os Flinstones têm carro, tv, dinossauro de estimação
(não sei como, não me perguntem), empregada... os Jetsons têm as mesmas coisas,
só que adaptadas: uma empregada robô, uma tv toda modernosa, um cachorro de
estimação, uma casa toda cibernética... e a resposta dada pelo palestrante: o
erro é achar que não houve mudanças, que entre as duas famílias tudo continua a
mesma coisa (ou seja, que não há evolução nos meios de propagação da mídia), já
que a tv dos Jetsons não é a mesma tv dos Flinstones, a empregada nos Jetsons é
um robô e tudo é mais evoluído. Na verdade, a mudança estaria nos objetos que
usamos para propagar as informações (ênfase dada neste assunto, uma vez que o
congresso era na área de comunicação). E cita exemplos: com o avanço da
tecnologia, era possível, na televisão, ver ao vivo uma pessoa esquiando e, em
um outro aparelho, ver, por uma câmera instalada em algum boné ou capacete que
o esportista estivesse usando, a imagem de como ele (esportista) vê aquele
momento (tendo assim duas visões em ângulos diferentes do mesmo acontecimento).
Ora, pensem comigo: se vocês têm um computador (daqueles que
têm monitor, torre, mouse...) e um netbook, eles por acaso são coisas
completamente diferentes? Não seria o net um computador compacto? Ele não tem
as mesmas funções do que o outro, só que menor? Então, só porque é compacto, é
diferente do computador (as funções são diferentes, serve pra outra coisa, o
sistema operacional é diferente...)????
E os aparelhos holográficos, como os que o Japão disse que
instalaria para a Copa de 2022? Eles não são, de forma nenhuma, uma
modernização do que, desde 1934, as pessoas passaram a chamar de televisão? E
um Boeing-737 é realmente algo absurdamente diferente de um 14-Bis? E uma
empregada robô não tem mesmo as mesmas atribuições de uma empregada de carne e
osso?
Sou adepta de que toda e qualquer invenção (do latim invenire:
achar, ir de encontro) só pode acontecer uma vez, já que o que vier a partir
dela será uma adaptação. Exemplo: não havia como ouvir músicas no fim do século
XIX sem que as pessoas saíssem de suas casas. Era necessário ir a um teatro ou
a uma praça ou aonde quer que houvesse alguém ou algum grupo musical se
apresentando. Obviamente, este programa era comum entre a classe mais rica da
população, que tinha condições de pagar o valor que fosse para assistir a
concertos musicais dos mais diversos em locais os mais variados. Resumindo a
história da “invenção” do rádio (e coloco assim, entre aspas, vocês entenderão
porquê nas próximas linhas), no fim do século XIX, na Europa, foi criado um
sistema de envio de impulsos elétricos por Guglielmo Marconi, baseado em
diversas pesquisas em torno da eletricidade e de ondas eletromagnéticas,
especialmente nos estudos de Heinrich Hertz, que fizeram com que Marconi criasse
o telégrafo, utilizado por navios para monitorar sua localização, e rendeu um
prêmio Nobel a seu idealizador. Pouco tempo depois pensou-se em utilizar as
mesmas ondas de envio de informações de navio para o envio de entretenimento, e
assim nasceu o rádio, com programas musicados.
Ou seja, o rádio já não é algo que tenha sido inventado, na
forma mais literal do vocábulo: o rádio veio de uma invenção (telégrafo) que
tinha um uso específico (envio de informações de navios) e usava-se de uma
determinada tecnologia (impulsos elétricos) para ter seu propósito alcançado.
Mas, por alguma necessidade social, decidiu-se tentar utilizar a mesma invenção
com a mesma tecnologia para um uso distinto (envio de informações diversas, no
caso, musicais). Como o telégrafo já tinha uma carga informativa, e a nova
criação tinha uma carga mais generalizada, resolveu-se dar um outro nome ao
objeto. Mas, na prática, a única diferença dele para o original, de onde ele
saiu, é apenas seu objetivo.
Assim sendo, uma televisão de 1950 e um equipamento holográfico
de 2012 têm realmente características tão distintas que qualifiquem que ambos
sejam invenções? Ou podemos dizer que ambos funcionam com impulsos elétricos
para a veiculação de imagens diversas? A diferença, a meu ver, está que, em um,
a imagem não sai de dentro da caixa e, no outro, a imagem é propositalmente
projetada para fora da caixa. Mas, mesmo assim, ainda há uma caixa, onde os
impulsos elétricos acontecem.
Eu não acredito que haja nada de errado entre as imagens
acima veiculadas dos Flinstones (exceto quando Hanna Barbera junta seres
humanos e dinossauros) e dos Jetsons, uma vez que a empregada sempre terá que
fazer serviços de empregada, seja ela humana ou robótica; a televisão, ou
qualquer que seja o objeto relacionado a ela, sempre deverá veicular uma
imagem; a lâmpada sempre servirá para clarear o ambiente; a geladeira sempre
servirá para guardar mantimentos dentro de sua validade ou manter gelado os que
ali estão; entre muitos outros.
Acredito que o palestrante tenha sido infeliz em sua análise.
A meu ver o que muda é a forma como as informações serão passadas, ou como
determinada coisa pode funcionar (por exemplo a diferença básica entre um trem
elétrico e um shinkansen – trem bala japonês, que não deixa de ser considerado
trem; ou, como citado pelo próprio palestrante, a possibilidade de ver um mesmo
acontecimento por diversos ângulos em instrumentos diferentes), mas não
acredito que apenas uma coisa de diferente seja suficientemente característico
para a alteração da definição do todo. Se fosse assim, lésbicas e gays não
seriam considerados Homo sapiens sapiens pela ciência moderna. ;)
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