O que antigamente era sinônimo de uma pessoa próxima e muito querida, com quem se tem afinidades e se deseja compartilhar parte de sua vida íntima ou de seus problemas, uma pessoa que tem formas de agir e pensar parecidas com alguém a ponto de ser nomeado "amigo", hoje em dia pode ter tido seu significado mais amplo rebaixado à posição de colega, uma pessoa nem tão íntima, nem tão afim, com quem não se compartilha tanto da vida ou de problemas, mas que serve como amigo na falta de um. Ou quiçá até metaerroneamente é considerado amigo, apesar de tantos pesares. No Brasil, um fiel amigo não se parece com um colega. É normal fazermos distinções entre ambos os vocábulos - pudera, não são iguais. Em Portugal, um fiel amigo é um bacalhau. Ou um ladrão. (Pausa para reflexão...)
Semelhanças à parte, acredito que fronteiras oceânicas não sejam pertinentes a um tema nacional.
Obviamente não são todas as pessoas que saem por aí falando que um colega é seu amigo sem saber se ele também se considera assim, mas algumas fazem. Carência, controle... o que quer que seja é um bom motivo pra isto acontecer. E claro que ela pode considerar aquela pessoa um amigo, mas para isso ela, minimamente, precisa saber que na cultura brasileira amigo é considerado um irmão e por quem as pessoas são capazes de abrir mão de certas coisas para ajudar. Até mesmo oferecer abrigo se necessário, querer estar por perto sempre e reconhecer na pessoa alguém interessante e cujas afinidades sempre tendem a melhorar a relação. Assim como o amor nasce da amizade por reconhecer diversos pontos afins, uma amizade também não deve ser mantida apenas com um único ponto de afinidade. Legal, ela gosta de Rolling Stones e você também. E só? E o papo, e as ideias, e a premissa de que amigo é pra todas as horas? E aquele "te pago na segunda" que você acha que é na semana que vem e é na próxima encarnação? E mesmo assim nem se preocupa porque sabe que um dia é você fazendo a mesma coisa com a pessoa - porque são amigas. Amizade é mais do que uma simples afinidade, é um conjunto de fatores que devem ser mantidos para que ela continue saudável. Mas e quando as pessoas são egoístas demais a ponto de não reconhecerem amigos ou preferirem colegas aos amigos de verdade? Cito dois eventos.
Fato #1
Fulana estava de caso com ciclano. O caso terminou, cada um foi pra um lado, passou-se um tempão, eles voltam a se falar, sem o menor interesse um no outro. Pura amizade, como sempre foi. Enquanto isso, ela acredita que as amigas com quem ela divide casa, que acompanharam todo o drama vivido, entenderiam a gravidade da situação (ok, elas não vivenciaram o caso, não sabem o quão fundo a história foi, mas presenciaram algumas coisas e qualquer pessoa sensata entenderia que era uma situação delicada). Um dia ela acorda com o beltrano, melhor amigo do ciclano, do lado dela. O desespero foi óbvio. Não fora algo premeditado e nem ela queria que rolasse, mas rolou. Decidiram que contariam a ele, mas não naquele momento, esperariam toda a poeira baixar. Mas alguém da casa contou antes pra pessoa, feriu toda e qualquer regra de respeito aos outros e ainda deixou aquela situação ruim no ar. Fulana sempre foi muito dedicada às amigas de casa, acredita que dividir casa com amigos é como ter uma segunda família, e cuidava de todos com o mesmo carinho e preocupação, que não retornaram da mesma forma. Ela não dividia casa com muitas meninas, só mais duas, ficou aquele clima chato dentro de casa e, diante da falta de consideração por parte de quem ela considerava uma "amiga", decidiu sair da casa. Está morando com uma outra amiga, esta sim sempre demonstrou ser uma amiga fiel (brasileira), aquela que apontaria todos os erros, mas não abriria a boca para ninguém por entender que ela não tem nada a ver com isso. Amigas de interesse financeiro?
Fato #2
O fulano era um desordeiro mal-educado. Tudo que precisava fazer era de qualquer jeito e sempre pelos ares. Nos bastidores, a fama era péssima e ele chegava até a ser evitado. Mas ele garantia a brisa da galera em dias quentes, frios... em qualquer dia a onda era boa, não tinha tempo ruim. Ele "salvava a galera." Certo dia ele precisou mudar, e cadê que encontrava um canto? Tava difícil mesmo, cidade grande é tudo muito caro, e só com o salário que ele ganhava ficava difícil pagar um aluguel sozinho, os valores estavam pela hora da morte até mesmo nas áreas mais pobres da capital. Ele precisava dividir com alguém, mas estava complicado achar alguém que topasse ser seu colega de quarto ou até mesmo dormir no quarto ao lado (quando encontrava um apezinho maneiro com dois quartos por menos de metade do salário que ganhava). Era mais fácil achar a galera pra "vida louca, vida." Ah, sim, pra isso os amigos estavam sempre ali, do lado, rindo, gargalhando, bebendo e tendo suas viagens narcóticas, dividindo o pouco que conseguiam dichavar, juntando as pontas das últimas conversas filosóficas para tentar formar mais uma, mais um pouco, mais amigos, mais, mais, mais... e menos, porque quando a brisa passa e a larica é saciada, o que resta é a casa vazia novamente, os amigos se vão e o aluguel continua a ser dividido por... um. Amigos sazonais?
Outro dia na varanda aqui de casa, conversando com uma amiga (pausa para expressão facial de mistério), em meio a gotas de chuva, cigarros e cuba libre, chegamos à conclusão de que as pessoas estão individualistas demais para terem amigos. O umbigo delas é cada vez mais importante de limpar do que suas caras de pau (e sabidamente a madeira é mais complicada de manter em boas condições do que a pele). Dividir interesses pessoais parece ser o motivo para o início de uma amizade nos tempos contemporâneos em total contraposição aos valores antigos, em que amigos dividiam a vida, eram cúmplices e sanavam necessidades de outros pela amizade e não pelo que receberiam em troca. Nada contra os casinhos ou baseados, cada um é responsável por suas atitudes, mas na minha época (como se fosse há muito tempo) amigo era aquele que apontava o erro, mas te ajudava da forma como desse, por carinho e preocupação. E ajuda no que precisasse mesmo, ainda que isso significasse abrigar uma pessoa em casa durante uns dias, só até a situação ficar mais fácil.
Sinal dos tempos, minha gente. O mundo está sempre girando, as pessoas sempre mudam de opinião e é a coisa mais normal de uma sociedade mudar sua forma de pensar. Não há nada errado nisso; o complicado é conseguir manter-se mental e emocionalmente são em uma fase de transição.
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