Estamos na era das novelas sem criatividade. As temáticas são
diferentes, abordam assuntos os mais variados, mas sempre há pontos em comum,
tornando rala a opção do processo criativo. Uma base em comum todas precisam
ter: um casal de mocinhos e um casal de maus que, no fim, se dão bem e mal,
respectivamente; há intrigas, o ápice (geralmente no capítulo 100) e o
desfecho. E tudo bem que as novelas se baseiem em livros, filmes e até mesmo
outras novelas para comporem suas histórias e personagens, mas o que está
cansando o telespectador é ver uma mesma sequência de história das 18h às
22h20.
Atualmente, temos “Sangue Bom”, às 19h, com um núcleo cuja personagem
principal, Amora, consegue tudo por meio do dinheiro. Rica e influente,
consegue adulteração de exames de sangue, compra de testemunhas e oferece até
mesmo dinheiro para que sua própria irmã desapareça do circuito para que sua
imagem pública não seja afetada. Além disso, foi abandonada na rua por sua irmã,
fato decisivo para a sorte que teve na vida.
Não é difícil encontrar a semelhança entre a história de “Sangue
Bom” e a apresentada em “Amor à Vida.” Félix (#abichamá), milionário, já
adulterou exames de sangue para que a maternidade de sua irmã (que na verdade não
é irmã) não fosse descoberta, vive precisando de dinheiro para silenciar as
testemunhas de suas artimanhas, resolve todas as suas pendências pagando e
também “jogou fora” um parente próximo (sua sobrinha, filha de sua teoricamente
irmã).
Já houve casos em que as novelas tiveram histórias muito
parecidas em pouco tempo de distância entre si, como o que aconteceu entre a última
novela da Glória Perez, “Salve Jorge” (que foi uma merda, diga-se de passagem),
com a temática da filha adotada (ainda que ilegalmente) e que sofre buscando os
pais biológicos, e “Amor à Vida”, que tem a personagem Paloma, que sofre do
mesmo mal (exceto pelo fato de não ter sido traficada). Cabe lembrar que a
questão da adoção ilegal também foi abordada em “Avenida Brasil”, novela
apresentada antes de “Salve Jorge.” Já houve casos, ainda, de a mesma temática
(ou muito similar) ter sido abordada nas três novelas apresentadas pela Rede
Globo, das 18h às 22h20, mas não estou me lembrando quais foram as novelas.
Recentemente, há apenas duas novelas que levantaram o público:
“Avenida Brasil” e “Cheias de Charme.” A primeira, novela das 21h, teve seu
sucesso em parte pela interpretação impecável e imprescindível de Adriana Esteves
e Débora Falabella, e em outra parte por ter uma pitada de surreal – a personagem
Nina sendo enterrada viva, por exemplo, foi ponto culminante na novela e um dos
mais aguardados por toda a audiência. A segunda, de autoria nova no Projac (a
saber: João Emanuel Carneiro), quebrou completamente a sequência de abordagens
idênticas e/ou similares e apelou pro novo, pro diferente, e provou que
consegue fazer tanto sucesso quanto as novelas das 21h redigidas pelos clássicos
globais, mesmo tendo sido apresentada às 19h. As novelas que se seguem,
entretanto, não seguiram as mesmas ideias inovadoras e seguem repetindo as
mesmas temáticas, espalhadas em núcleos diversos, e sem a menor criatividade.
As novelas são consideradas ficcionais, por este mesmo
motivo – os autores alegam – suas personagens são capazes de irem inúmeras
vezes a qualquer parte do mundo sem qualquer necessidade de visto de imigrante
ou fuso horário e sem o menor respeito ao tempo total de viagem, indo pro Japão
no início do capítulo e, ao final dele, já ter realizado não só a viagem
inteira de ida, como também resolvido o que era necessário e preparado as malas
para a volta. É por ser ficcional, também, que alguns autores dizem que suas
personagens podem falar português em qualquer canto do mundo e, ainda assim,
serem entendidos. Ou rasgar um inglês a lá Joel Santana e pagar de gringo
norte-americano. Mas também é por ser ficcional que, na novela, uma pessoa pode
ser enterrada viva e sobreviver; ou ser empregada doméstica e enriquecer
cantando as desgraças em uma girl band; ou então ser negra nascida após a Lei Áurea
e, por ciúmes de uma burguesa branca, ser enviada para a França (onde conquista
fama e dinheiro). É justamente por ser uma ficção que a novela tem a grande
chance de inovar, criando um paralelo entre a vida real e o desejo do público, entre
o que é válido e o que poderia acontecer, e tem a chance de criar inúmeros roteiros,
podendo variar do surreal à comédia, do drama ao musical, sem a necessidade da
cópia aristotélica do outro.
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