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21 de mar. de 2015

"A Hard Day's Night"

Confesso que era assustador ver aquela aranha ali (odeio! Por que estão por toda parte? Por que nos óculos dele?!), mas era engraçado imaginar-nos nus em uma teia elétrica. Não sei se era a situação em si ou apenas seu rosto, ou até que ponto extrapolava o sadismo, mas eu ria enquanto relaxava, apesar do medo.

De todas as experiências que tive, esta marcou minha carreira. Escrevi também sobre ela começando com uma watercolor tattoo de teia preta e roxa no ombro. A dor me lembrava o medo; o resultado, minha motivação. Compilei vários relatos de viagem, de experiências loucas, hilárias, bad trips, em uma espécie de livro. Intitulei "Colorless green ideas sleep furiously". Trezentos e noventa e quatro páginas de lembranças com os pensamentos e questionamentos que retornam a cada viagem.

Os amigos começaram a elogiar. Uma conhecida propôs uma publicação. "Ecstasy em doses literárias!", pensei, e corri ao banco pegar um empréstimo (pago em bicos de cantora de bar e dançarina de banda de axé do interior). Deu certo! Vendi 100 exemplares e toda a minha reputação.

Pedi a um amigo - Leo, aquele da informática - para que me ajudasse com uma publicação digital. Ele também se especializara em botânica (pra não dizer que era jardineiro) e sua casa mais parecia uma floresta - guess what? Spiders! Boa parte dos honorários deveriam ser feitos em flora local. Aceitei, apesar do alto valor. Este tipo de coisa é cara na Holanda, mas a qualidade faz valer a pena.

Nas conversas posteriores com ele aprendi muito. E nos workshops que dei (boa parte personalizados para pagar os gastos de uma viagem à Europa), um cabeludo ruivo, metaleiro, do interior da Dinamarca, comentou que o escritor precisa mudar o papel para intensificar suas ideias. Dizem isto de guitarristas com relação a guitarras e música também. Houve quem me dissesse que a filosofia da vida era uma ponta de pena manchada. Os escritores abstratos talvez prefiram refletir sobre uma flor, pedra ou amor. Eu gosto de expor meus medos de aracnídeos. Literatura é isso, afinal: possibilidade.


O autor é uma aranha cuja teia engendra o eu-lírico numa espécie de surto profundo. Cabe ao leitor a possibilidade de se deixar levar pelo brilho orvalhado da teia. Ela une autor, leitor e eu-lírico numa espécie de tríade divina com prazo de validade: um livro inteiro, 40 minutos, oito ou doze horas... a aranha vai te picar de qualquer forma, faminta de realidade. O pavor da dor não vai ser pior do que o fim da viagem. A consciência grita: você quer mesmo parar?

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