14 de dez. de 2010

“Por que você me pergunta? Perguntas não vão lhe mostrar que eu sou feito da terra, do fogo, da água e do ar.”

Felicidade... taí uma palavra sobre a qual poucas pessoas param para se perguntar a respeito. Uns dizem que dinheiro não traz felicidade; outros, que ele detém parte dela. Tem gente que acha felicidade em cada uma das coisinhas mais simples da vida enquanto outras pessoas só se sentem plenamente satisfeitas quando almejam um sonho, um bem ou o que quer que seja. Mas afinal: o que é felicidade?


Talvez fosse mais fácil descrever a felicidade com uma linha do tempo musical – sim, porque a música também faz parte de nossa vida e está íntima e discretamente ligada à nossa felicidade. Muitos dos melhores momentos de nossa vida são passados com fundo musical: beijo no cinema pra ninguém da sala ver, casamento, bodas, aniversário dos filhos, festas... então faz todo sentido existir uma linha do tempo musical para a descrição de felicidade, não acham?


Na época dos nossos avós, a vida era tão mais pacata... quer dizer, calma. Tão calminha que o sonho de consumo de quase toda mulher era casar e ter filhos. Na verdade, elas se empenhavam muito para serem boas donas de casa: desde pequenas costuravam, bordavam, teciam, cozinhavam. Morro de vergonha de, aos 20, só fazer bolo solado enquanto vovó conta que, aos 15, fazia bolos para festas. Os vovôs eram safados! Não prestavam, não sobrava UM que valesse a pena... mas todos eram excelentes amantes (no sentido mais puro e ingênuo da palavra) e pais de família, empenhados em levar o máximo de amor e afeto aos lares, mesmo que pra isso fosse preciso perder a coluna pro filhinho andar de cavalo, torcer o pé pro filho acreditar que fez gol ou ensinar a garotinha a pegar laranja do pé do vizinho só pra ela saber que “existe diversão fora da sala de costura.” Ah, sim... como era grande o amor deles por nós, tantas coisas eles tinham a nos dizer. E muitos ainda têm, com certeza... histórias dos calhambeques, boas médias que não fossem requentadas e acompanhadas de pão bem quente e manteiga à beça...


Adoro essa visão romântica da vovó de que além do horizonte deve ter algum lugar bonito pra viver em paz. Aliás, toda vovó é assim, né? Na verdade, elas passam a vida inteira fazendo de tudo para ver os filhos casados, elas querem sempre cada vez mais netinhos, são sempre as matriarcas da família e regem o Natal como Papai Noel algum teria capacidade de fazer... Felicidade para os nossos avós tem uma tradução sequer: de que vale o paraíso sem o amor? Acho que posso dizer que a tradução é recíproca.


Para terem netos, é preciso ter crianças. Eis que vieram nossos pais. Mas temos diversas bifurcações em nossos pais: hippies, românticos, contrários/rebeldes... vou citar “nossos pais” com sentido de “os pais desta geração”, mas é baseado na minha própria mãe, que é uma mistureba danada de harpas e berros. Uma coisa linda de se ver, um conjunto orquestral completo de Rock, uma banda nórdica à base de violinos. Enfim, mamãe é mamãe em qualquer lugar, né.


Não que nossos pais hippies amassem uma Lúcia riquíssima que perambulava pelas nuvens, nem que eles fossem ícones da avassaladora onda de sexo, drogas e rock’n roll que passou a existir nas décadas seguintes, mas papai e mamãe pregavam amor ao próximo e a alegria em estar vivo, seja lá de que forma fosse. Acho que eles herdaram um pouco dessa alegria inocente de nossos avós, essa coisa de viver simples e puramente pela vida, e não em prol de alguma coisa. Era algo como pedir para que alguém te levasse voando até a lua e o deixasse brincar entre as estrelas, ver como é a primavera em júpiter e marte... é, talvez nessa parte do cotidiano eles encontrassem coma tal Lúcia, em um dos devaneios espirituais que tivessem.


Nossos pais românticos têm as mesmas ideias de nossos avós, apesar de lutarem por independência financeira. Claro que eles assumem ser donos dos próprios narizes, usam roupas indecentes (vestidos mais curtos, umbigo quase de fora, calças rasgadas e camisetas bem soltas) e têm sua vida independe da vida dos pais, mas o que mais lhes dói é saber que apesar de terem feito tudo isso para ir contra os valores tradicionais, seus ídolos são os mesmos dos nossos avós e as aparências não enganam mais, eles estão cada vez mais parecidos. Na verdade, o que NOS incomoda nesta história toda é saber que eles nos condenam por tentar fazer a mesma coisa. Felicidade naquela época era ser independente, sem precisar desfazer-se das coisas tradicionais. Bem que eles tentavam, mas isso é coisa de adolescente revoltado, e eles sabiam muito bem disso. E continuam sabendo. Acho que é por isso que a gente não se dá bem quando tenta seguir os mesmos passos...


A maioria de nossos pais hippies passaram pela fase da ditadura militar no Brasil, e muitos de nossos pais nasceram durante ela. E foi a época em que a felicidade não só foi a coisa mais utópica a ser alcançada, como também a mais triste de ser buscada. Como deveria lhes ser difícil acordarem calados se na calada da noite ouvia-se gritos (ou não os ouvia, num silêncio atordoante); ver a banda passando pela rua e aquelas pessoas alienadas achando que as músicas eram de amor. Mas há de se entender que a música, seja ela proibida ou permitida, sempre foi motivo para que a dor fosse esquecida, ainda que a dor se camuflasse de tamborins, violas e pandeiros.


A busca pela felicidade em tempos de cólera... nada mais justo do que o sentimento nacionalista. Felicidade era reencontrar seu pai, sua mãe, seu irmão, todos aqueles que foram torturados sem motivo (ou por quererem bem demais para a população). Felicidade era almoçar e voltar para casa, não ter medo de fazer novas amizades, não precisar fugir de quem deveria lhe proteger. O fardo de um cálice motivava a população a viver e não havia na vida algo mais brando e indescritível do que poder se satisfazer de uma pitada de felicidade por estar por perto mesmo afastado, e confiar na certeza da cumplicidade.


Ao longo dos anos, viemos nós, um misto de tudo o que nossos pais foram.
Mas à medida que a globalização entrou na nossa vida com o advento da internet, da liberdade midiática, dos celulares ultramodernos e afins, começamos a nos comunicar com outros países, outras culturas, e achamos super “cool” estrangeirizar nossa própria língua, muitas vezes, inclusive, criando neologismos para chegar ao que queremos.


Deletamos o que não queremos, comemos hambúrguer, jogamos vídeo-game (com ou sem ac(ss)ento?). Ao longo de nossa existência (“nossa” enquanto geração, e isso inclui nossos primos e, possivelmente, alguns de nossos tios) fomos perdendo nossa diversidade, nossa cultura própria, nosso eu, e começamos a puxar isso de outras culturas. À medida que fomos conhecendo, fomos querendo, e a felicidade tornou-se sinônimo de bem. Se temos uma roupa pro ano novo, se compramos um jogo que não precisa de joystick (ou controle, para os amantes da língua nativa), se formos a um show, seremos felizes e completos. Mas na verdade, que real sentido de felicidade é esse? Felicidade momentânea, passageira, que acaba com o desfiar de um algodão ou com um fio desencapado?


Nossos avós queriam filhos, e queriam que eles se dessem bem, e queriam que toda a família estivesse reunida e feliz. Queriam que a felicidade deles fosse espelhada na felicidade de todos os outros.
Nossos pais lutavam por liberdade de expressão, liberdade religiosa e pela paz do mundo.
E nós lutamos por um God of War III em liquidação na Casa e Vídeo? Sem querer ofender a loja, que não tem nada a ver com a história, mas lutar por uma coisa criada no computador, uma máquina de códigos binários e ilusões? E ainda por cima, uma coisa baseada em guerras e lutas sanguinárias?


Felicidade é um fim de tarde olhando o mar e sentir que a gravidade não te impede de voar; é ir agora pra um lugar todinho seu, ter uma rede preguiçosa pra deitar e ouvir ao redor uma sinfonia de pardais cantando para a majestade, o sabiá. Felicidade é ver aquela garota do corpo dourado por causa do sol de Ipanema, namorar aquela mina sem saber se ela te namora. É ter paz pra andar na favela onde nasceu e poder se orgulhar não do pobre ter o seu lugar, porque o ser humano é cidadão do mundo e seu lugar é no planeta Terra, mas se orgulhar de sua casa, família e vizinhos, se orgulhar de sua história e da trajetória que tem pela frente.


Felicidade é vê-la dormir no calor dos seus braços e acordar sem saber se foi um sonho. É amar como jamais um outro alguém vai amar. É constatar que já é Natal e se perguntar o que foi feito no ano que passou e o que pode ser feito no ano que virá. Felicidade maior ainda é ser o primeiro a dizer a todos que o mundo foi feito para todos, amarelos, brancos, pardos, negros... e que um dia todos seriam apenas um. Felicidade é ser considerado utópico e ter a certeza de estar muito à frente de seu tempo.


O ser humano é uma contradição e está em suas mãos fazer com que tudo o que é dito e feito tenha algum sentido. Felicidade para ele parece ser perder-se por aí, fingindo muito bem que ele nunca precisou de um lugar só dele. Seu erro é dar o melhor de si como se só isso fosse necessário para alguma coisa se movesse ao seu redor.


Tantas pessoas querendo sentir sangue na veia... mas pra que procurar o que está encontrado? A felicidade é como nosso sangue: ninguém sente e acha que nem existe, e só lembra dele quando um corte começa a sangrar.


Tantas pessoas querendo sentir sangue na veia... êta, vida besta, meu deus...


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