28 de fev. de 2013

"So you think you can tell (...) blue skies from pain?"

Uma vez minha avó viu um cachorro sarnento na rua fuçando o lixo e sentiu pena. Disse, triste, que até entre os animais existem diferenças sociais. Mas ela sentiu pena porque era um cachorro. Se fosse um besouro esterqueiro, sentiria nojo.

É isso o que não entendo: as pequenas tragédias da vida são tratadas com desprezo talvez por serem pequenas. A formiga fuçando o lixo procurando comida para seu sustento, para alimentar os bebês de seu clã, tentando manter a matriarca saudável para a manutenção do formigueiro, cega de nascença, isto não importa. Mas o cachorro fuçando o lixo é digno de compaixão - se bem que compaixão é muito relativo. Coreanos comem carne de cachorro; eles não sentem compaixão? Nós comemos carne de vaca; para os judeus, nós não temos compaixão?

Mas e os outros animais? Ou só existem mamíferos, e os demais seres vivos chamamos de bicho só porque não gostamos? E as tragédias que ocorrem diariamente com eles não devem ser levadas em conta?

Outro dia eu estava no ponto de ônibus e uma formiga chata insistia em vir para perto e tirar uma lasquinha dos restos de biscoito no bolso lateral da minha mochila. Dei um peteleco nela para que perdesse a direção e não me ameaçasse mais. Ela caiu na rua e a roda de um carro passou por cima dela. CARA!!!... EU ASSASSINEI UM SER VIVO!... Eu matei um animal, cometi um homicídio doloso contra um ser que poderia estar cuidando da sobrevivência de outro. Eu deixei uma larvinha com fome, atrapalhei a arrecadação de comida para o inverno (que é muito rigoroso aqui) e ainda cometi uma infração do código de defesa dos animais. Mas minha tristeza e preocupação são infundadas, sabe por quê? Porque era uma formiga. Não era um cão, um gato, um bacon ou uma picanha. Era uma formiga. E é uma hipocrisia achar que vou presa por causa de uma formiga porque a maioria das pessoas (inclusive ativistas que conheço) matam mosquitos, principalmente se forem transmissores da dengue. E a morte do mosquito é a mais trágica: aplaudida, como se o fim de sua vida fosse um grande espetáculo. Ou então tiram-no o direito à procriação, presente no livro sagrado respeitado por todos no mundo cristão. Ora: se deus mandou existir, quem o homem pensa que é para decidir quando não existir mais?

Alguém já parou para pensar em quantos ácaros morrem quando não fazemos a cama? Ou nos plânctons que morrem quando fazemos xixi no mar? Ou nas aranhas que passam fome porque matamos seu alimento ou o impedimos de se reproduzir? Ou nos filhotes que deixam de nascer para que a high society aprecie sêmen de peixe? Não, pouca gente pensa em animais que não tenham glândulas mamares e que sofram tragédias cotidianas muitas vezes por culpa nossa.

Eu tive pena da formiga a cuja morte induzi. Peguei seu cadáver e sepultei próximo às roseiras. Se, mesmo sendo condenados por estupro, latrocínio, homicídio triplamente qualificado ou tráfico, os homens têm direito a um enterro digno, uma formiga, que, no máximo, mordeu umas bundas achando que eram comida devido à sua cegueira, também tem.

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Um comentário:

  1. adorei minha flor, tambem fico assim quando acontece uma coisa assim lá em casa. se entra um besouro, a gente pega ele com mó carinho e põe na janela. ;)

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