26 de fev. de 2014

"Quando eu piso em folhas secas"

Porto, 26/02/2014.

Hoje acordei com desejo de escrever a alguém. Alguém que está longe, a centenas de quilômetros daqui. Alguém que mora em uma casa bonita e aconchegante, abrigada do frio, com um tapete bernês a felicitar-lhe a cada nova chegada. Alguém que prefira fotografias da primavera e belas artes. Alguém que coma pregos pela manhã.

Tive vontade de escrever esta carta a alguém que aprecie recebê-la. Que, ao cheirar o papel, sinta a brisa que me afaga os cabelos e que, ao passar os dedos por sobre a tinta que uso, se encante com as texturas que sinto. Alguém que contorne cada curva da minha grafia arredondada como se admirasse a voluptuosidade renascentista. Que ouça mentalmente as músicas nas quais penso ao descrever aqui, com palavras, cada gaivota que me enfada o coração. Alguém que se lusíade com cada memória que mando junto desta carta.

Comento aqui sobre a vida que me respira: os lugares que me andam, as flores que me ventam, os encantos que me sorriem, os cachorros que me levam. Estes, principalmente, pois não há um par de calcanhares cansados que não se acalme ao sentir-se compadecido por um cão de amorosa idade. Falo também dos sabores que me apetecem, das noites que me amanhecem e das taças que me sobram, muito além dos poemas que me espancam a melancolia desta Portugal fria, amenizada pelas mais belas flores dos palácios de cristal.

Escrevo esta carta sem remetente ainda. Quero enviá-la para alguém, mas quem? Alguém que desconheço - ou que já conheço, mas que ainda não percebi. Alguém como quem já citei acima. Não sei em qual morada encontra-se o pseudônimo que queira saber sobre as pessoas de que poeto a cada alvorecer ou sobre os sentimentos, sabores e cores que crio neste desespero de não encontrar forma tão encantadora de explicá-los quanto os olhos podem fitar; nesta angústia de tentar formalizar o que língua alguma consegue exprimir. Quero enviar este pedaço de mim para alguém que queira saber como eu estou e me avisar quando quiser vir - ou me receber quando eu quiser ir, ou me sentir quando eu me for. 

Esta carta não tem remetente, mas eu gostaria que tivesse resposta.

Amy.

Um comentário:

  1. Amy, eu am(e)y esse texto.

    Eu quase pude sentir contigo essa brisa longa, esse silêncio...
    Você me embalou com palavras.

    Mandou benzaço.

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