Ela não sabia exatamente o que fazer naquele fim de tarde. Botou a identidade na mochila vazia, um casaco e saiu. Não queria saber pra onde mesmo, talvez apenas olhar uma paisagem diferente e respirar ar puro. Ela só queria que alguma coisa fizesse sentido ao menos uma vez na vida. Mas não fez.
Na volta pra casa, já com estrelas a iluminarem o caminho, precisou atravessar a ponte. Aquele vento gelado batendo-lhe na nuca e a esvoaçar seus cabelos parecia navalha. O rio que corria embaixo da ponte era rápido, feroz. Possivelmente gelado. Mas era incrível como as luzes da ribeira se somavam às estrelas refletidas nele e criavam um cenário tão propício a qualquer coisa.
Aos poucos foi lembrando de tudo o que a fez sair de casa: as lembranças ruins, as lembranças boas, as coisas que ela tanto queria consigo e não tinha. O vento era mais gelado do que os ferros da ponte, que ela alisava enquanto caminhava, lenta e atentamente, ao olhar pro rio e pr'aquele jogo de luzes a banhá-lo. E parou.
Ela nunca quis tanto na sua vida mergulhar. Mergulhar fundo, tão fundo que só ela soubesse voltar. Mergulhar fundo pra tentar achar algo que nem ela sabia o que era. Por um segundo lembrou das idas a Búzios, Arraial do Cabo e Rio das Ostras, de todas as fotos e filmagens incríveis que ela pôde acompanhar submersa, e desejou do fundo da alma fazer tudo de novo. Sem câmeras. O que ela visse ficaria apenas na sua memória, tal qual aquela imensidão de rio na sua frente, naquele único exato momento que ninguém vai poder recuperar porque está só na cabeça dela.
Contemplando a vista e perdida numa nuvem de lembranças, ouviu os cantos mais gloriosos vindo do rio e sentiu que precisava mesmo encontrar-se com ele na mais abissal das profundezas para entender do que seu corpo precisava. Ela ouviu a si mesma criança, treinando com o snorkel e roupa de neoprene na piscina da casa da avó, e sentiu a mais doída saudade daquele tempo. Aquele rio naquela noite era como um retorno pra um tempo perdido, uma época em que qualquer coisa poderia ser resolvida com um sorriso no rosto e uma boa ideia na mente. E, carioca, como poderia haver melhor ideia do que a água, o rio, o mar?
A noite estava fria e o vento gelado bagunçava seus cabelos de forma que ela mal conseguia enxergar a distância entre o rio e si. A criança que ela foi chamava-a para brincar naquela piscina e a adulta que ela era dava mil motivos pra ela não ir. Ela não poderia ser tão egoísta e esquecer de todos ao seu redor. Ela tinha deveres demais a fazer e coisas importantes assumidas para largar tudo e voltar a ser criança novamente. Mas ela precisava daquilo, no fundo era o que ela mais queria. No fundo, bem lá no fundo, era onde ela queria estar.
Anna retornou pra casa e deixou a adulta e a criança na ponte - a adulta vai ter com outros e a criança, ser feliz. Anna vai cumprir seus objetivos porque eles haviam sido firmados antes dela querer voltar pra casa. Enquanto isso, ela tem seus próprios novos objetivos a traçar. Anna precisa de um cinto de pedras na cintura se quiser mergulhar do jeito certo.
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