24 de nov. de 2014

"Epitáfio"

Domingo é como a segunda-feira que está em trabalho de parto. Levantar da cama no domingo é uma TPM aguda, especialmente se for ao meio-dia e pouco e não tiver almoço pronto. Dormir no domingo à noite é quase a contração de segunda, antes da criança nascer, aquele momento em que o médico fala "vamos ter que abrir!" No dia seguinte tomamos raquidiana em copos americanos de café pra aguentar a semana que segue. Domingo é o velório dos dias seguintes que ainda morrerão.

Nada acontece no domingo. A vida para, perde o sentido. Ninguém dá bom dia. Domingo não é um bom dia. Nada sobra no domingo: o cigarro acaba, a cerveja acaba, a comida acaba. E não dá vontade de sair de casa nem se for pra ver a final do campeonato, muito menos se for domingo de verão. Os cachorros latem menos no domingo e os gatos estão mais rabugentos. Os mosquitos tiram férias aos domingos e nem as baratas se dão ao trabalho - sinceramente, se o mundo acabasse num domingo, não faria a menor diferença.

Domingo é o dia oficial de sair da dieta porque nada mais pode tornar esse dia agradável. Então o jeito é apelar pro bacon, milkshake de morango, brigadeiro e pão de queijo com manteiga. Outro dia eu jurei que não tomaria mais refrigerante - isto era um domingo à noite. A ressaca veio com força 7 dias depois e eu fui extremamente feliz no gole de Coca à minha frente, mas teria tido o mesmo efeito com um prato de strogonoff ou com aquela macarronada à bolognesa que aprendi com minha mãe. Todos pratos com um toque de Sazon sabor domingo. Também é o dia de não lavar os pratos, a Deise vem amanhã... então, a cidade inteira pede pizza delivery e as carteiras dos motoboys explodem de tanto tédio. Minha mãe me ensinou esses truques, essas mágicas que transformam coisas ruins em coisas boas: colocar cheddar na abobrinha, comer bife de fígado com arroz à piamontese, pedir pizza no domingo.

Eu queria ser como a minha vizinha, que acorda cedo no domingo (de bom humor!) para arrumar a casa, estudar, passear com o cachorro pela cidade cumprimentando quem passe ao lado e lavar roupa (no tanque) como Michelangelo pintando a Capela Sistina. Eu acordo querendo matar o desgraçado que criou o domingo, não arrumo nem meu cabelo direito (aliás constantemente vou à padaria e encontro o mendigo do bairro mais bem vestido do que eu) e reclamo de ter que sair da cama pra colocar roupa na máquina pra ela lavar e secar sozinha. 

Na verdade, não sei se eu queria mesmo ser que nem minha vizinha porque eu não conheço nada no domingo que seja digno de felicidade. Sempre a achei meio forçada. Sabe essa gente que sorri pra todo mundo o tempo todo, são felizes sempre e nunca estão irritadas com nada? Elas geralmente gostam dos domingos. Desconfie. É quase impossível que alguém consiga ser tão feliz e produtivo assim num dia que mais parece um cárcere privado consentido. Eu quase virei vegetariana uma vez quando, num doce (essas coisas que a gente faz pro domingo passar mais rápido), eu pensei que a humanidade era como os porcos e o domingo era o corredor percorrido por eles até o abate, bem aquela área de onde não tem volta, em que os porquinhos estão em fila indiana indo direto pro que é o seu destino desde pequenos. Domingo é a Via Crucis dos homens (vai ver é por isso que tem missa no domingo). Desisti de virar vegetariana algumas horas depois, quando comi um sanduíche de bacon e queijo com Coca-cola geladíssima.

De todas as coisas mais sem graça da vida, o domingo é a primeira da lista. É, de longe, o dia com a translação mais demorada do espaço, o dia mais fode-não-goza da cronologia. Não acordar, tomar remédio pra dormir e assistir todos os capítulos de séries que você nem nunca ouviu falar estão entre as tarefas para dissipar esse dia do calendário por alguns minutos (1440, especificamente). 

Confesso que eu só escrevi esse texto num domingo pra ver se o tempo passava mais rápido.

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