9 de jul. de 2015

"Metade do mundo eu não quero por perto e a outra metade eu lamento"

Dizem que o ser humano é social, que não dá pra viver sem a existência do outro. Concordo com isso. Acho que se eu posso comer hoje é porque muita gente participou do processo de fabricação e venda da comida. Minha casa não brotou do nada nem sou inventora de tudo que tenho nela. Alguém fez alguma coisa, outra pessoa empacotou, outra enviou pra transportadora... Acho certo que cada um tenha um papel na sociedade, só não entendo por que temos que ser comunicativos além do necessário.

Quando preciso estar rodeado de gente (uma praia, uma praça, um encontro de família - esses lugares que ainda não podem ser privatizados), gosto de exisir. Observo, escuto, analiso. Em família sou obrigado a comentar, responder e ser simpático, mas pouco falo de mim enquanto as pessoas, elas falam tanto de si. Isso é ser social? Parece uma consulta psicológica gratuita. "Eu vim pra comer, não pra ouvir sua ladainha", penso, mas faz parte do contrato social, então sorrio, opino, exemplifico pra servir de consolo (não sei se pra mim ou pro outro). Um profissional cobraria, e bem, pra fazer a mesma coisa. Com alguma sorte, alguma massagem erótica estaria inclusa no pacote. Eu li alguns livros de Freud, mas me dá preguiça ter que usar psicologia para assuntos tão fúteis e desinteressantes. Cito qualquer coisa de Sartre, bebo meu café e dou um jeito de sair. Às vezes mais parece que sou eu a pessoa no divã.

Mas, vá lá... pode ser esquisitice minha. Amigos servem pra isso também, deixar o ombro à altura sempre que necessário. Confesso que nem sempre lembro por que me procuraram ou o que conversamos, mas eles sempre me convidam pra sair, então deve dar certo... o bizarro é que não são apenas os amigos que são sociáveis. Parece que as pessoas têm essa coisa de falar de si até pra quem não conhecem. No ônibus, certa vez, mesmo quase todos os bancos estando vazios, uma senhora sentou ao meu lado. Só percebi isso quando ela interrompeu minha leitura (uma análise profunda sobre a formação e os problemas internos de grupos terroristas islâmicos) pra perguntar qualquer trivialidade. Acho que queria saber as horas. Deve ter déficit de atenção porque, ao que me pareceu, quando olhou pro relógio, ela viu a criança no banco da frente. Então, a senhora desandou a falar sobre sua neta (20 anos, membro do coral de uma igreja pequena, daquelas bem barulhentas; ensino médio completo - exceto por uma reprovação em física, "mas, também, um monte de conta difícil pra decorar, né?"). Alguma coisa naquela criança lembrou-a da artrose, diabetes e do bico de papagaio que tinha há algumas décadas - eu olhei pra mesma criança e, juro por deus, ela parecia saudável. 

Até aquele momento eu não havia falado nada além de "10 pras 4". Depois disso, comprei um carro. Os amigos do trabalho, então, pediram caronas para economizarem na passagem ("não são só 20 centavos" e agora, na verdade, já são quase 50), mas muitos pararam de falar comigo depois de algumas corridas. Pegávamos algum trânsito no caminho do centro para casa no horário de rush e eu sempre lhes pedia para que calassem a boca durante as quase 2h dentro do engarrafamento com ar-refrigerado. Eu sei que a inflação está absurda, que o Vasco foi vice (nem precisa de vidente pra saber) e que a crise na Grécia está alarmante. Sinceramente, esse tipo de conclusão eu tiro sozinho. O que eu não sei é o que o economista convidado pela BBC vai dizer sobre a análise que ele fez dos últimos 12 meses no continente Europeu; eu não sei o que o Estado Islâmico fez durante as 9h em que fiquei trancado num escritório trabalhando; eu não sei quais novidades a ciência tem sobre um novo planeta ou o projeto de vida em Marte - e quais deles parecem ou não viáveis do ponto de vista psicológico, econômico, bioquímico.

Eu gosto de pensar. Se for pra falar o óbvio, é melhor ver Jornal Nacional.

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