12 de ago. de 2016

A moça

Moça, faça o que quiser, viaje pra onde quiser, mas não deixa de voltar, não.
Faz como o dia em que nos vimos
Naquele ponto de ônibus vazio na frente do prédio, sob aquele sol tímido
De uma tarde de inverno que tentava se afirmar
Só lembro que estava com sono, pensando 
Se não teria sido melhor ir pra casa, apesar do stress, 
Do tempo, da rotina
Apesar da comodidade, da certeza, da calmaria
Mas você veio com o uniforme igual ao meu
Que feliz coincidência, moça
Pensei "não sou a única"
Caíram tão bem em você aquela blusa amarelo ovo e a calça caqui
Aquele tênis-floresta amazônica
E o óculos, adornando o recôncavo dos olhos e marcando de leve a ponta dos cabelos
Moça, eu estava ansiosa porque havia acabado de perder o ônibus
Pra logo ali. Aquele logo ali de mineiro, que não dá pra ir andando.
Terceiro dia de trabalho e um atraso porque quis dormir demais
E você falou "pensei que eu era a única do prédio trabalhando lá"
E eu quis responder "graças a Deus que não"
Mas só consegui dar um sorriso e respondi.. eu nem sei o que eu respondi
Moça, o seu sorriso naquele momento me deixou meio torta
Meio sem chão, meio sem querer ter
Meio sei lá
Porque, moça, o seu sorriso é qualquer coisa de magnífico
Você ia para Copacabana, mas eu quis me perder na zona sul
Quis me atrasar porque a conversa estava boa
E falar de esportes e da rotina da vida, de como as madames encontraram as panelas 
- o que faziam penduradas na janela? A empregada de novo fazendo merda? - 
E tomar uma cerveja
Ou treze
E rir de qualquer coisa a noite inteira
E morrer de frio na janela olhando o horizonte pra evitar olhar seus olhos
Porque, moça, tive que entrar naquele ônibus correndo
Depois que você disse "Via Parque"
E eu não sabia se o tom era de pesar ou de alívio
Não sei nem se você disse para que eu fosse - na minha cabeça, era isso mesmo o que você queria
Só sei que eu passei o resto do dia me odiando, moça, 
Porque você sentou do meu lado
E falou comigo
E eu estava aérea - primeiro de sono, depois de nervosismo
E eu teria mesmo me jogado no ar se me visse ali, na minha frente,
Sem conseguir me mexer no lugar. 
Não consegui nem ao menos saber seu nome.

Deixei um bilhete na portaria com o último cartão de visitas que eu tinha
Mas aquela tradução eu jamais conseguiria fazer plenamente
Acho que foram dois dias de espera
Em que a alma saiu do corpo por uma perfuração na garganta
Moça, eu não fazia ideia da sua reação ao receber o bilhete
Eu não fazia ideia sequer de que você receberia o bilhete
Mas meu coração se aqueceu de uma maneira cor-de-rosa 
Quando vi aquelas letras na sua carteira
Moça, você respondeu
E eu já não sabia onde enfiar meu rosto de tanta vergonha
Sei nem de quê
E quando daquele assovio 
Minha espinha inteira se arrepiou como sexo algum consegue
Um arrepio que ia do osso ao pelinho, da falta de ar à cara de pau
Do azul ao roxo
Da MPB ao rock
Moça, você me fez sentir como há muito não me sentia
Essa vontade de sentir esse medo todo
Esse pavor de se esconder pra não ser visto 
Fazendo justamente algo que chama atenção
Moça, você chama minha atenção

Tem algo em você que soa gostoso
Ali naquele ínterim da Bossa Nova com futebol
É como um verde-caribe na segunda pela manhã
É como a leveza de um fardo que a gente solta de um penhasco
Pra nunca mais abrir
É como se jogar de parapente sem ter pressa de chegar
E filmar o percurso pra, depois da adrenalina, os detalhes ficarem vivos na mente.

Moça, eu quero te ver de novo
Quando você volta?

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